terça-feira, 17 de julho de 2012

À primeira vista


Quando não tinha nada, eu quis...Naquela manhã, acordou mais cedo do que o habitual. Estava decidida. Costumava pintar-se todos os dias, e, dos olhos às paredes do quarto, os tons de vermelho eram o que a mantinham viva, e feliz, e protegida. Mas não naquele dia. Como que não quisesse ser vista, ou talvez por conta da noite anterior – e como quem não se reconhece de cara limpa -apenas um nude para cobrir os lábios, dois ou três goles de café morno e então saiu. Preferiu cruzar a pé as treze quadras que a separavam do trabalho. “Está frio demais hoje”, ela pensou.
Quando tudo era ausência, esperei... Não conseguia se concentrar nas pilhas de papel que há dias acumulavam-se sobre a mesa. Mas pouco importava. A noite passada poderia ser – e era, mas ainda não sabia - a revolução pela qual tanto havia esperado. Quanto tempo faltava até a hora de encontrá-lo? Não por acaso, os ponteiros do relógio lhe pareciam andar de um jeito preguiçoso; não era seu tempo, portanto. O dia avançava como que não quisesse ser noite; mas seria. E ela parecia esconder-se como se não quisesse ser estrela, mas era. Tinha brilho próprio, e uma beleza assim tão dela... “Por que tanta angústia”, pensou ela.  Sem que pudesse entender, sempre faltava-lhe um não-sei-o-que, que viria não-sei-de-onde; mas não hoje. Hoje ela sabia. Sabia que faltava muito pouco pra encontrar, e assim que tocou o sinal, dirigiu-se a porta.
Quando tive frio, tremi...Quando tive coragem, liguei...A noite trouxe consigo uma chuva fina. Caminhou a passos largos até o apartamento vazio. Mobília simples, apesar das cores cintilantes. Largou o casaco no sofá, e sem pensar, voltou-se a mesa onde repousava o guardanapo com um número de telefone. Nem precisava, já o havia decorado, e, antes que os olhos tivessem tempo de piscar a segunda vez, pôs-se a discar. Do outro lado, uma voz rouca – por conta da noite anterior: “alô”. Ficou calada por alguns segundos, a antes mesmo do “quem fala”, pôs o telefone no gancho.
Quando chegou carta, abri... Quando ouvi Prince, dancei...Já havia dois meses que não respondia aos apelos do amor infinito que acabou. Mensagens, e-mails, cartas. Os últimos dias tinham sido reservados a poucas ou nenhuma emoção. A última carta dizia: Espero que estejas feliz. Eu não estou. Continuo e continuarei esperando sua resposta. Ela, novamente não respondeu... “Tarde demais”, pensou. Agora não havia motivo pra responder... A noite anterior era sua garantia. Ao som de PurpleRain, tinha encontrado, finalmente, o que procurava.
Quando o olho brilhou, entendi... Quando criei asas, voei...Permitiu-se, na noite anterior, a ir a uma dessas festas tipo flashback. Sempre pensou no passado como algo morto e enterrado. Era contra lembranças, e fazia do presente o único tempo verbal. Desde o rompimento, era a primeira vez que saia, e assim, sem pensar nos acontecimentos recentes, proibindo-se de ficar triste, e sem perceber que tornou a virar a cabeça para a mesa à sua direita, deparou-se com um par de olhos azuis. Não era alto, nem muito forte, mas tinha aquele jeito certo de olhar. Dirigiu-se até a mesa. Um “oi” displicente lhe saltou quase sem querer. Poucos minutos e já dançava assim, em meio à chuva púrpura; havia até esquecido o quão decidida era. Mas lembrou; e da lembrança, o guardanapo e o número, com batom vermelho, anotado. Prometeu que ligaria. Não disse quando.
Quando me chamou, eu vim... Quando dei por mim, tava aqui...O telefone tocou atrapalhando seus pensamentos. A voz do outro lado pergunta: “Foi você quem me ligou?” Não quis fugir, e nem podia. E não fugiu. Respondeu que sim. Atendendo ao chamado, logo estaria se dirigindo ao café, para encontrá-lo. Não queria se atrasar e então correu. Não sabia o que esperar... Tratava o futuro como tratava ao passado; mas que se dane. Hoje não, hoje ela iria enfrentá-lo. Recorreu ao vermelho. Nos lábios, nas unhas, no coração. E ao por a chave na porta, sem saber porque, olhou pro lado, para o único porta-retratos que não atreveu-se a jogar fora.Neste instante, foi tomada pela coisa que mais abominava: a recordação. Deu meia volta e da gaveta retirou todas as cartas que ainda estavam fechadas. Uma a uma, foi se deixando levar. E ficar.
Quando lhe achei, me perdi... Quando vi você, me apaixonei... Uma hora se passou até que o orgulho falasse mais alto. Ainda daria tempo, ou venceria o contratempo? Correu o máximo que pôde. No trajeto, a raiva por deixar que o passado se intrometesse em sua vida. A vontade de dizer novamente, com mais ênfase, cada palavra que havia dito dois meses atrás. E a certeza que a revolução havia começado. O não-sei-o-que de não-sei-de-onde tinha nome, rosto e olhos azuis. Quando finalmente chegou, deparou-se a mesa vazia. A rosa em botão por sobre a mesa; eum bilhete: desculpe, mas não pude mais esperar. Quem sabe outro dia nos encontramos por aí. Aquelas poucas palavras lhe soaram como as primeiras e últimas de um futuro que morria e seria enterrado ali, como o passado. Fazia frio naquelanoite. “Tarde demais”, ela pensou. Ainda pôde ouvir o som do carro vermelho dando a partida edaquele momento em diante, passou a rever o conceito efêmero que relegava ao tempo, que definitivamente, não era seu.


“Escrito por Anderson Bittencourt Araujo para Pipocas. Exclusivamente nesse post temos pela primeira vez a visão de homem, o que não é nada comum por aqui. O Pipocas só ressalta um único ponto, mulher demora muito mesmo para se decidir e quando ela finalmente se decide... Ele podia ter dado uma chance, não podia?”

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